13 razões para o Veto Total
1. Supressão
do artigo primeiro do texto aprovado pelo Senado que estabelecia os
princípios jurídicos de interpretação da lei que lhe garantia a essência
ambiental no caso de controvérsias judiciais ou administrativas.
Sem esse dispositivo, e considerando-se todos os demais problemas abaixo
elencado neste texto, fica explícito que o propósito da lei é
simplesmente consolidar atividades agropecuárias ilegais em áreas
ambientalmente sensíveis, ou seja, uma lei de anistia florestal. Não há
como sanar a supressão desses princípios pelo veto.
2. Utilização de conceito incerto e genérico de pousio e supressão do conceito de áreas abandonadas e subutilizadas.
Ao definir pousio como período de não cultivo (em tese para descanso do
solo) sem limite de tempo (Art. 3 inciso XI), o projeto permitirá novos
desmatamentos em áreas de preservação (encostas, nascentes etc.) sob a
alegação de que uma floresta em regeneração (por vezes há 10 anos ou
mais) é, na verdade, uma área agrícola “em descanso”. Associado ao fato
de que o conceito de áreas abandonadas ou subutilizadas, previsto tanto
na legislação hoje em vigor como no texto do Senado, foi deliberadamente
suprimido, teremos um duro golpe na democratização do acesso e da
terra, pois áreas mal-utilizadas, possuídas apenas
para
fins especulativos, serão do dia para a noite terras “produtivas em
descanso”. Essa brecha enorme para novos desmatamentos não pode ser
resolvida com veto.
3. Dispensa de proteção de 50 metros no entorno de veredas (inciso XI do ART. 4º ART). Isso
significa a consolidação de ocupações ilegalmente feitas nessas áreas
como também novos desmatamentos no entorno das veredas hoje protegidas.
Pelo texto aprovado, embora as veredas continuem sendo consideradas
área de preservação, elas estarão na prática desprotegidas, pois seu
entorno imediato estará sujeito a desmatamento, assoreamento e
possivelmente a contaminação com agroquímicos. Sendo as veredas uma das
principais fontes de água do Cerrado, o prejuízo é enorme, e não é
sanável pelo veto presidencial.
4. Desproteção às áreas úmidas brasileiras.
Com a mudança na forma de cálculo das áreas de preservação ao longo dos
rios (art.4o), o projeto deixa desprotegidos, segundo cálculos do
Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA), 400 mil km2 de
várzeas e igapós. Isso permitirá que esses ecossistemas riquíssimos
possam ser ocupados por atividades agropecuárias intensivas, afetando
não só a biodiversidade como a sobrevivência de centenas de milhares de
famílias que delas fazem uso sustentável.
5. Aumento das possibilidades legais de novos desmatamentos em APP
- O novo texto (no §6º do Art4o) autoriza novos desmatamentos
indiscriminadamente em APP para implantação de projetos de aquicultura
em propriedades com até 15 mólulos fiscais (na Amazônia, propriedades
com até 1500ha – na Mata Atlântica propriedades com mais de mil
hectares) e altera a definição das áreas de topo de morro reduzindo
significativamente a sua área de aplicação (art.4º, IX). Em nenhum dos
dois casos o Veto pode reverter o estrago que a nova Lei irá causar,
ampliando as áreas de desmatamento em áreas sensíveis.
6. Ampliação de forma ampla e indiscriminada do desmatamento e ocupação nos manguezais
ao separar os Apicuns e Salgados do conceito de manguezal e ao delegar o
poder de ampliar e legalizar ocupações nesses espaços aos Zoneamentos
Estaduais, sem qualquer restrição objetiva (§§ 5º e 6º do art. 12). Os
estados terão amplos poderes para legalizar e liberar novas ocupações
nessas áreas. Resultado – enorme risco de significativa perda de área de
manguezais que são cruciais para conservação da biodiversiadade e
produção marinha na zona costeira. Não tem com resgatar pelo Veto as
condições objetivas para ocupação parcial desses espaços tão pouco o
conceito de manguezal que inclui apicuns e salgados.<
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7. Permite que a reserva legal na Amazônia seja diminuída mesmo para desmatamentos futuros,
ao não estabelecer, no art. 14, um limite temporal para que o
Zoneamento Ecológico Econômico autorize a redução de 80% para 50% do
imóvel. A lei atual já traz essa deficiência, que incentiva que
desmatamentos ilegais sejam feitos na expectativa de que zoneamentos
futuros venham legaliza-los, e o projeto não resolve o problema.
8. Dispensa de recomposição de APPs.
O texto revisado pela Câmara ressuscita a emenda 164 (aprovada na
primeira votação na Câmara dos Deputados, contra a orientação do
governo) que consolida todas as ocupações agropecuárias existentes às
margens dos rios, algo que a ciência brasileira vem reiteradamente
dizendo ser um equívoco gigantesco. Apesar de prever a obrigatoriedade
de recomposição mínima de 15 metros para rios inferiores a 10 metros de
largura, fica em aberto a obrigatoriedade de recomposição de APPs de
rios maiores, o que gera não só um possível paradoxo (só partes dos rios
seriam protegidas), como abre uma lacuna jurídica imensa, a qual só
poderá ser resolvida por via judicial, aumentando a tão indesejada
inseguranç
a
jurídica. O fim da obrigação de recuperação do dano ambiental
promovida pelo projeto condenará mais de 70% das bacias hidrográficas da
Mata Atlântica, as quais já tem mais de 85% de sua vegetação nativa
desmatada. Ademais, embora a alegação seja legalizar áreas que já estavam “em produção” antes de supostas mudanças nos limites legais, o projeto anistia todos os desmatamentos feitos até 2008,
quando a última modificação legal foi em 1986. Mistura-se, portanto, os
que agiram de acordo com a lei da época com os que deliberadamente
desmataram áreas protegidas apostando na impunidade (que o projeto visa
garantir). Cria-se, assim, uma situação anti-isonômica, tanto por não
fazer qualquer distinção entre pequenos e grandes proprietários em
situação irregular, como por beneficiar aqueles que desmataram
ilegalmente em detrimento dos proprietários que o fizeram de forma legal
ou mantiveram suas APPs conservadas. É flagrante, portanto, a falta de
razoabilidade e proporcionalidade da norma contida no artigo 62, e um retrocesso monumental na proteção de nossas fontes de água.
9. Consolidação
de pecuária improdutiva em encostas, bordas de chapadas, topos de
morros e áreas em altitude acima de 1800 metros (art. 64) o que
representa um grave problema ambiental principalmente na região sudeste
do País pela instabilidade das áreas (áreas de risco), inadequação e
improdutividade dessas atividades nesses espaços. No entanto, o veto
pontual a esse dispositivo inviabilizará atividades menos impactantes
com espécies arbóreas perenes (café, maçã dentre outras) em pequenas
propriedades rurais, hipóteses em que houve algum consenso no debate no
Senado. O Veto parcial resolve o problema ambiental das encostas no
entanto não resolve o problema dos pequenos produtores.
10. Ausência de
mecanismos que induzam a regularização ambiental e privilegiem o
produtor que preserva em relação ao que degrada os recursos naturais.
O projeto revisado pela Câmara suprimiu o art. 78 do Senado, que vedava
o acesso ao crédito rural aos proprietários de imóveis rurais não
inscritos no Cadastro Ambiental Rural - CAR após 5 anos da publicação da
Lei. Retirou também a regra que vedava o direcionamento de subsídios
econômicos a produtores que tenham efetuado desmatamentos ilegais
posteriores a julho de 2008. Com isso, não só não haverá instrumentos
que induzam a adesão aos Programas de Regularização Ambiental, como fica
institucionalizado o incentivo perverso, que premia quem descumpre
deliberadamente a lei. Propriedades com novos desmatamentos ile
gais
poderão aderir ao CAR e demandar incentivos para recomposição futura.
Somando-se ao fato de que foi retirada a obrigatoriedade de publicidade
dos dados do CAR, este perde muito de seu sentido. Um dos únicos
aspectos positivos de todo projeto foi mutilado. Essa lacuna não é
sanável pelo veto. A lei perde um dos poucos ganhos potenciais para a
governança ambiental.
11. Permite que
imóveis de até 4 módulos fiscais não precisem recuperar sua reserva
legal (art.68), abrindo brechas para uma isenção quase generalizada.
Embora os defensores do projeto argumentem que esse dispositivo é para
permitir a sobrevivência de pequenos agricultores, que não poderiam
abrir mão de áreas produtivas para manter a reserva, o texto não traz
essa flexibilização apenas aos agricultores familiares, como seria
lógico e foi defendido ao longo do processo legislativo por organizações
socioambientalistas e camponesas. Com isso, permite que mesmo
proprietários que tenham vários imóveis menores de 4 MF - e, portanto,
tenham terra mais que suficiente para sua sobrevivência - possam se
isentar da recuperação da RL. Ademais, abre brechas para que
imóveis maiores do que esse tamanho, mas com matrículas desmembradas, se
beneficiem dessa isenção. Essa isenção fará com que mais de 90% dos
imóveis do país sejam dispensados de recuperar suas reservas legais e
jogaria uma pá de cal no objetivo de recuperação da Mata Atlântica,
pois, segundo dados do Ipea, 67% do passivo de reserva legal está em
áreas com até 4 módulos.
12. Cria abertura para discussões judiciais infindáveis sobre a necessidade de recuperação da RL (art.69). A
pretexto de deixar claro que aqueles que respeitaram a área de reserva
legal de acordo com as regras vigentes à época estão regulares, ou seja,
não precisam recuperar áreas caso ela tenha sido aumentada
posteriormente (como ocorreu em áreas de floresta na Amazônia, em 1996),
o projeto diz simplesmente que não será necessário nenhuma recuperação,
e permite que a comprovação da legalidade da ocupação sejam com
“descrição de fatos históricos de ocupação da região, registros de
comercialização, dados agropecuários da atividade”. Ou seja, com simples
declarações o proprietári
o
poderá se ver livre da RL, sem ter que comprovar com autorizações
emitidas ou imagens de satélite que a área efetivamente havia sido
legalmente desmatada.
13. Desmonte do sistema de controle da exploração de florestas nativas e transporte de madeira no País.
O texto do PL aprovado permite manejo da reserva legal para exploração
florestal sem aprovação de plano de manejo (que equivale ao
licenciamento obrigatório para áreas que não estão em reserva legal),
desmonta o sistema de controle de origem de produtos florestais (DOF –
Documento de Origem Florestal) ao permitir que vários sistemas coexistam
sem integração. A Câmara rejeitou o parágrafo 5º do art. 36 do Senado o
que significa a dispensa de obrigação de integração dos sistemas
estaduais com o sistema federal (DOF). Como a competência por
autorização para exploração florestal é dos estados (no caso de
propriedades privadas rur
ais e
unidades de conservação estaduais) o governo federal perde completamente
a governança sobre o tráfico de madeira extraída ilegalmente (inclusive
dentro de Unidades de conservação federais e terras indígenas) e de
outros produtos florestais no País. Essa lacuna não é sanável pelo veto
presidencial.
Há ainda outros
pontos problemáticos no texto aprovado confirmado pela Câmara cujo veto é
fundamental e que demonstram a inconsistência do texto legal, que se
não for vetado por completo resultará numa colcha de retalhos.
A todos estes
pontos se somam os vícios de origem insanáveis deste PL como é o caso da
definição injustificável da data de 22 de julho de 2008 como marco zero
para consolidação e anistia de todas irregularidades cometidas contra o
código florestal em vigor desde 1965. Mesmo que fosse levado em conta a
última alteração em regras de proteção do código florestal esta data
não poderia ser posterior a 2001, isso sendo muito generoso, pois a
última alteração em regras de APP foi realizada em 1989.
Por essas razões não vemos alternativa sensata à presidente da República se não o veto integral ao PL 1.876/99.
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