Escrito por João Gabriel Vieira Bordin |
Qui, 03 de Maio de 2012 |
Para o meio ambiente e para o futuro do planeta e dos povos, a
aprovação do novo Código Florestal foi mais uma batalha perdida, entre
tantas outras. Se o texto aprovado no Senado já era ruim, as alterações
feitas na Câmara constituem um retrocesso diante do consenso mínimo
alcançado entre ambientalistas e ruralistas no Senado e uma vitória para
o agronegócio. A posição do governo vai contra o texto aprovado, e a
expectativa agora é que a presidente vete partes do texto,
regulamentando o que se fizer necessário por decreto. Na hipótese de um
veto integral, bastante improvável, provavelmente a decisão presidencial
seria derrubada no Congresso.
Entre os pontos ambientalmente sensíveis do novo código estão a
desobrigação, por parte do produtor rural, de reflorestar a área de
proteção permanente nas margens de rios acima de 10 metros (além de
mudar o parâmetro de medição das APPs em margens de rios, agora medido a
partir de seu leito regular e não máximo); a anistia para quem desmatou
ilegalmente até julho de 2008, com a suspensão de multas; a
incorporação de APPs ao computo da Reserva Legal; a liberação de crédito
agrícola mesmo para o produtor que estiver em débito com a legislação
ambiental (além da garantia de sigilo sobre o status dos produtores
rurais no Cadastro Ambiental Rural); a desobrigação de recompor a
Reserva Legal para propriedades de até 4 módulos fiscais. De modo geral,
o que o novo código cria é a noção de áreas cultivadas consolidadas, ou
seja, áreas já desmatadas e utilizadas com fins agrícolas, desabonando o
agricultor da necessidade de reflorestá-las ou relativizando o modo e
grau desse reflorestamento.
Argumentam, os defensores do novo código, que, em primeiro lugar,
penalizar os proprietários rurais em razão de desmatamento ocorrido no
passado constituiria uma grande injustiça, na medida em que implicaria
na retroatividade da lei, e que, em segundo, a perda das áreas já
consolidadas como agriculturáveis traria prejuízos econômicos para a
atividade agrícola e para a economia brasileira de modo geral. Ora,
retroativa ou não, a lei florestal trata de interesse social, nacional e
global, amplo e fundamental, que, portanto, deve prevalecer vis-à-vis
ao interesse particular. Cabe ao poder público assistir financeira e
juridicamente os produtores rurais no processo de reflorestamento e
preservação ambiental determinado em lei. Ademais, se é injustiça
obrigar o agricultor a reflorestar área não desmatada por ele,
desonerá-lo desse dever constitui injustiça ainda maior com o agricultor
cumpridor da lei. Quanto aos supostos prejuízos econômicos decorrentes
do reflorestamento, o Brasil possui imensas áreas agriculturáveis
inutilizadas ou subutilizadas, situação resultante da histórica
concentração de terras no país. Ora, o objetivo do desenvolvimento
agrário deve ser o crescimento da produção mediante aumento da
produtividade e não mediante expansão da fronteira agrícola.
Apesar da idéia cotidianamente veiculada de que haveria consenso
entre ambientalistas, produtores rurais, cientistas, políticos etc.
sobre a necessidade de se reformular o Código Florestal de 1965, em
vigor até hoje, a verdade é que tal iniciativa é de autoria de
ruralistas e seus interessados. O projeto de lei, portanto, já nasce
indelevelmente eivado pelo não compromisso com a proteção ambiental. O
ensejo para as discussões em torno de um novo marco para a atual
legislação foi dado na segunda metade da década de 1990 (anos nos quais
foram registradas taxas recordes de desmatamento), quando novos
mecanismos de proteção ambiental foram criados, aumentando a
fiscalização e repressão sobre os crimes ambientais. Em 1998
promulgou-se a Lei de Crimes Ambientais, e o Ministério Público passou a
atuar mais veementemente nas questões relacionadas à preservação do
meio ambiente. Dez anos depois, novas medidas foram instituídas,
incluindo a restrição a crédito bancário para os produtores que não
estivessem em dia com a legislação ambiental.
Diante desse ataque, os ruralistas se mobilizaram, iniciando uma
cruzada contra o velho Código Florestal de 1965. Pelo menos dois
argumentos, in totum falaciosos, foram brandidos para sustentar a tese
da necessidade urgente de reformar a legislação ambiental.
Afirmam eles, em primeiro lugar, que o código de 1965 não tem base
científica, e que, em segundo, engessa e impede o desenvolvimento da
agricultura brasileira, prejudicando,sobretudo os pequenos produtores.
Ora, pautando semelhante argumento está a ideia essencialmente primitiva
de que o desenvolvimento agrário se faz extensivamente e não
intensivamente, ou seja, faz-se pela ampliação da fronteira agrícola,
com todas as suas nefastas implicações ecológicas, e não pelo
desenvolvimento técnico e tecnológico que possibilite melhor
aproveitamento das terras agriculturáveis hoje disponíveis. Um bom
exemplo nesse sentido é a pecuária, extensiva em demasia e responsável
por grande parte do desmatamento na região amazônica. O primeiro
argumento não é menos falacioso. Recentemente, pesquisadores da USP
concluíram em estudo que os dispositivos expressos no Código Florestal
são compatíveis com o que se sabe sobre as condições ecológicas de
equilíbrio ambiental, e a Sociedade Brasileira para o Progresso da
Ciência não poupou críticas à proposta da nova legislação.
O fato é que os ruralistas brasileiros ainda pensam como pensavam os
colonizadores desde a época do Brasil colônia e imperial: há terra
demais sobrando, inutilizada por uma cobertura vegetal que
economicamente não oferece retorno algum. Se lhes fosse possível,
passariam por cima não só das áreas e reservas de proteção ambiental,
mas também das terras indígenas e quilombolas. Para os diretamente
interessados no agronegócio, a reformulação do Código Florestal nada tem
a ver com a proteção ao meio ambiente, a despeito da ladainha com que
eles procuram afetar preocupação e consciência ambiental. Uma vez que a
atual legislação tolhe-lhes a margem possível de destruir sem serem
penalizados, querem flexibilizá-la a todo o custo, amparadas pela grande
mídia empresarial que repercute fazendo eco aos seus desconchavos.
Por fim, há ainda aquele outro argumento em que se escudam os
ruralistas: uma vez que a legislação ambiental impede o desenvolvimento
da agricultura, logo a produção de alimentos fica comprometida. Esse
argumento seria irrefutável se não fosse o simples fato de que o
agronegócio não produz alimentos, à exceção talvez da carne. Produzem
commodities para exportação e para servir de matéria prima à alimentação
de animais de corte, além da cana-de-açúcar para a produção de álcool.
Quem produz alimentos – arroz, feijão, batata, alface etc. – são
pequenos agricultores, em muitos casos em regime de produção familiar. E
não são eles os diretamente afetados pela legislação vigente, mas os
grandes proprietários e seus latifúndios. Impressiona a desfaçatez
inacreditável com que os ruralistas procuram se esconder à sombra do
pequeno produtor e da idéia de que produzem alimentos. Em resposta às
mentiras despudoradas da Confederação Nacional da Agricultura, entidade
patronal que defende os interesses do agronegócio, a Confederação
Nacional dos Trabalhadores na Agricultura entregou, há dois anos, aos
parlamentares membros da bancada ruralista um documento no qual afirma
que os ruralistas não falam em seu nome.
A verdade é que, do ponto de vista da proteção ambiental, a questão
do Código Florestal não é jurídica, mas política. A atual legislação
ambiental brasileira é extremamente avançada e eficiente no que tange à
preservação do meio ambiente. Não que não haja necessidade de atualizar e
consolidar a lei, remendada ao longo de mais de 40 anos por decretos e
resoluções. Mas a vulnerabilidade do antigo Código Florestal não reside
em sua natureza jurídica, mas na falta de vontade política ao fiscalizar
e punir os responsáveis por crimes ambientais – impunidade que, de
resto, é um dos grandes males ingênitos da política brasileira. A nova
legislação traz em seu seio uma concepção retrógrada da agricultura,
incentiva práticas irresponsáveis e criminosas ao anistiar os
proprietários rurais em desacordo com a lei, além de permitir a
diminuição das reservas e áreas de preservação florestal. Ao
flexibilizar as leis ambientais, e ao conceder anistia aos desmatadores,
o novo Código Florestal vem para atender aos interesses econômicos de
uma parcela muito pequena da população brasileira, bem como dos capitais
internacionais investidos no agronegócio brasileiro, pondo em risco o
direito à da vida das futuras gerações.
João Gabriel Vieira Bordin é cientista social.
Nenhum comentário:
Postar um comentário