Reciclagem não impede destruição do meio ambiente, revela estudo da FFLCH
Valéria Dias / Agência USP de Notícias
A
reciclagem de garrafas PET, vidros, alumínio e papel ajuda a retardar a
degradação ambiental, porém, não resolve o principal problema ambiental
vivenciado atualmente pelo planeta: o consumo desenfreado de recursos
naturais. “A reciclagem não vai salvar o planeta. Ela é apenas um
paliativo que retarda a degradação ambiental”, alerta o pesquisador
Hélio Francisco Corrêa Lino.
Em seu doutorado pela Faculdade de
Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, o pesquisador fez
um mapeamento extenso das cadeias produtivas de latas de alumínio,
papel, garrafas de polipolietileno-tereftalato (PET) e vidro, a partir
da indústria primária (desde a extração dos recursos naturais
necessários para a fabricação, chegando ao produto final) até a
indústria secundária (as responsáveis pela reciclagem), passando pelas
associações de catadores de material reciclável.
“Quero deixar
claro que sou favorável às atividades de reciclagem. Mas sou totalmente
contra o senso comum de que apenas a reciclagem, por si só, vai impedir a
destruição do meio ambiente. No máximo, vai retardar essa destruição”,
ressalta o pesquisador, que atua como professor universitário na área de
administração e economia.
Cadeias produtivas
A extensão
da análise realizada para o doutorado incluiu todo o processo produtivo,
as plantas industriais, os insumos, e os produtores envolvidos na
indústria primária, além das relações econômicas entre os setores
primário e secundário dos quatro setores estudados. “Existe um grande
poder econômico por trás dessas atividades”, comenta.
No casos das
garrafas PET, a análise do setor primário incluiu as refinarias de
petróleo, postos de extração e petroquímicas. “O petróleo é importante
para esta indústria porque as fibras sintéticas utilizadas em sua
produção são produzidas a partir da transformação de derivados da nafta
petroquímica”, explica. Em relação ao vidro, a pesquisa listou todas as
empresas produtoras do material no Brasil. O mesmo foi feito em relação
ao papel e às latas de alumínio.
Lino constatou que nas quatro
cadeias produtivas, a produção secundária é sempre subordinada à
primária. “No caso das latas de alumínio, que tem alto valor agregado, o
preço no setor secundário depende daquele praticado no setor primário. A
indústria secundária não vai sucatear a primária. E a extração de
bauxita para produzir latinhas de alumínio vai continuar”, explica.
“Quanto as garrafas PET, as maiores recicladoras são as grandes
consumidoras deste tipo de embalagem. Podemos observar um lucro
indireto”, diz, lembrando que o controle dessas indústrias é concentrado
nos quatro setores, ou seja, é feito por poucas empresas, sendo muitas
de capital estrangeiro.
Já a maior parte da indústria de papel
utiliza madeira de reflorestamento de pinus e eucalipto. “São árvores
tradicionalmente conhecidas como grandes bebedoras de água. Podem drenar
o lençol freático e prejudicam a flora e fauna dos locais
reflorestados”, diz. Outro ponto desta indústria é que a reciclagem faz o
papel perder a qualidade, além do problema da fácil contaminação do
produto.
A indústria de vidro utiliza os próprios cacos como
insumo de produção, além de os cacos protegerem os fornos durante a
queima, o que leva a produção de um vidro de melhor qualidade. “A
indústria tem muito interesse em reciclar, mas o grande problema é a
coleta, pelo vidro ser pesado e poder machucar”, aponta Corrêa Lino.
O que a humanidade quer?
De
acordo com Corrêa Lino, a sociedade não está levando em conta um ponto
fundamental desta discussão. “O planeta não suporta 7 bilhões de
habitantes. Em uma sociedade de consumo de massa, como a que vivemos, o
crescimento populacional gera demanda por consumo. Consequentemente,
isso leva a um aumento da extração de recursos naturais usados para a
manufatura produtos”, explica. Ele lembra que cerca de 1 bilhão de
pessoas vivem atualmente abaixo da miséria absoluta em todo o mundo. E
que impacto do crescimento econômico dos países é muito alto para o
consumo mundial.
“É muito fácil falar sobre proteção ao meio
ambiente. Difícil mesmo é abrir mão do conforto, reduzir o consumo,
evitar o desperdício”, critica o pesquisador. Para ele, iniciativas
pessoais neste sentido são bem-vindas. “A sociedade de consumo de massa
acaba criando necessidades que nem sempre são, de fato, necessárias.”
Para
o pesquisador, um caminho possível seria o controle da expansão da
população mundial por meio de um planejamento familiar em escala global.
“É preciso também que a humanidade se questione sobre o que ela quer”,
finaliza.
O trabalho tomou como base material coletado em sites
oficiais das industrias, tanto do primário como secundário, além de
algumas visitas a determinados setores. As quatro vertentes foram
escolhidas por serem as principais no Brasil. A pesquisa A indústria de
reciclagem e a questão ambiental, foi apresentada em fevereiro de 2011
sob a orientação da professora Suely Robles Reis de Queiroz.
Mais informações: email heva@uol.com.br, com Hélio Francisco Corrêa Lino